10 de out. de 2017

Conto erótico

“Pasta”, respondi a um comissário de bordo de bochechas esburacadas.

Dei sorte: o moço ao meu lado foi de chicken e só conseguiu comer um terço da gororoba. Com os cotovelos colados ao corpo, feito um tiranossauro, deu três bicadas desanimadas e desistiu. A carne era escura e gosmenta, parecia sobra de açougue. Não que o meu ravióli estivesse bom. Léguas disso! É que eu já me acostumei à lavagem que servem em aviões, e aprendi que a massa oferecida, apesar de chegar sempre fria e coberta por um molho ácido que ativa meu refluxo, ainda é a menos arriscada das alternativas.

Depois de raspar a marmita de alumínio com um garfinho apropriado a bolos de aniversário, no máximo, ainda comi um pedaço de melão pálido que tinha gosto de pepino e um pudim que, por causa da textura, fez-me imaginar o Tom Cruise lambendo os beiços brilhosos após devorar a placenta da filha recém-nascida. O que foi? Acha que sou capaz de domar totalmente a minha imaginação? Pois eu não sou nem pretendo ser, assumo, e, se quer mesmo saber, não vejo a hora de recolherem as bandejas plásticas e apagarem as luzinhas do teto para tirar as rédeas da minha mente pervertida e, graças a ela, gozar – o único remédio tarja branca capaz de amenizar a maldita insônia que me obriga a investir parte do meu salário em cosméticos para disfarçar as olheiras.
Para alguém com um cargo como o meu, não pega nem um pouco bem chegar com cara de acabada nas reuniões; principalmente porque tem um bocado de gente torcendo pela minha queda. O motivo: fui a primeira mulher a se tornar vice-presidente da Onix, e também a única pessoa que conquistou o posto antes dos quarenta – faço trinta e sete no mês que vem. Depois de décadas liderada apenas por machos enrugados, a empresa se viu obrigada a reconhecer o meu talento, teve de se render à mulher-alfa que aprendi a ser desde o dia em que meu pai evaporou sem dar satisfação, forçando-me a trocar as bonecas de plástico pelas fraldas sempre “embostalhadas” dos meus irmãos. Fizeram de tudo para barrar minha ascensão, chegaram até a inventar que eu havia apresentado um diploma falso. Mas não bastou. Meus números foram ficando cada vez mais imbatíveis, e os chefões da matriz, em São Francisco, não paravam de me elogiar. Aos caquéticos da Onix, então, só sobrou uma alternativa: engolir-me – e não do jeito nojento que, depois de uns copos de uísque, em convenções e festas de fim de ano, demonstravam querer.
Recolheram a taça plástica com resquícios do vinho que tomei e desligaram as luzes do teto, aleluia! Está tudo quase escuro. Só não virou um breu total porque alguns passageiros ainda leem, dedilham tablets e assistem aos filmes do sistema de entretenimento de bordo. Bem abaixo de mim, só oceano, e assim continuará por muitas milhas, até o Marrocos. Sobre minhas coxas uma manta cinza e curta que só vai até as canelas e que tem o logotipo da companhia aérea gravado; e eu não resolvi usá-la por causa do ar-condicionado potente do avião, não: cobri-me para esconder os movimentos das minhas mãos, que começarão assim que o passageiro ao meu lado, o 24B, fechar o livro. Se bem que… Será? Porque, se eu começar bem devagarzinho, só deixando o dedão pesar um pouco sobre a fina calça legging que separa minha boceta do mundo exterior, ninguém perceberá; e observar meu vizinho de voo concentrado, franzindo a testa como se buscasse alguma explicação a um dos tantos porquês que atormentam a humanidade, será um ótimo ponto de partida para meu roteiro mental. Além do mais, graças à posição em que ele está, posso ver o apetitoso volume que esconde sob a calça jeans. E não é só saco, com certeza não. Um pau de dezoito centímetros, cabeçudo e levemente curvado para cima, se tivesse que apostar.
Ele não tem pinta de brasileiro: é português comedor de batatas ao murro, acredito. Não, não… Pensando bem, está mais para italiano – devido ao cabelo grisalho raspado bem baixinho e ao formato do nariz, tem um quê de Eros Ramazzotti. E a coleira de dedo que veste não deixa dúvidas: é casado. Deve ter uns quarenta e dois, quarenta e três, por aí. Parece sério, do tipo que só ri às vezes e por pouco tempo, sem estardalhaço ou grande exposição dos dentes. É um pouco rústico até, com tudo para ser um daqueles raros exemplares que fodem sem frescuras, intercalando chupadas na boceta com lambidas no rabo sedentas e sem nojinho; gente que nunca vai quebrar o clima sugerindo: “Você não quer tomar um banho antes?”. Pelo menos nas partes que posso ver daqui, não tem tatuagem nem piercing. Não tem jeito de vaidoso também. No máximo, duas borrifadas de perfume, e olhe lá. Porque não sinto nada daqui. Sinto sim, aliás: os movimentos circulares que meu dedão esquerdo não para de fazer já estão surtindo efeito, dando-me vontade de deixar a mão desocupada pousar “sem querer” sobre a coxa do talvez italiano para, com sorte, causar um desvio no fluxo sanguíneo padrão, uma lombada na calça jeans. Vai que… Né? E, se ele quiser me comer gostoso, e der o menor sinal de disposição – meia ereção já basta –, eu juro que desço a calça até os joelhos e me viro de ladinho, em direção à janela oval, para facilitar o lado dele. Já estou até sem calcinha, seguindo a tendência das novinhas do funk. E estou lubrificada o bastante para ser invadida sem grande esforço.

Sabe o que seria interessante de verdade?

Pagar para ele me ferrar até ficar sem forças e repleto de câimbras, transformá-lo em meu gigolô de bordo, sentar e me esfregar no queixo áspero dele de um jeito que me deixaria com a pele irritada por uns dias. Ai que tesão do caralho! Para melhorar ainda mais, só se eu oferecesse uma grana também ao moleque da fileira da frente – que tem idade para ser filho dele – para descobrir o quão longe chegariam pelos carros, relógios e outras babaquices masculinas que posso comprar. Arrisco dizer que por um drone ou algum brinquedinho do tipo o rapaz até chuparia esse Eros comigo, e minha intuição me diz que faria com gosto, de maneira desesperada, como se finalmente tivesse encontrado uma boa desculpa para se entregar a um desejo que vive recalcando; aí, depois que a porra sabor pesto jorrasse em nossa mistura voraz de bocas e saliva, ele se sentiria imediatamente soterrado pela culpa, enojado devido ao encontro súbito e inevitável com aquilo que de fato é, e alegaria que fez por dinheiro, apenas porque estava precisando muito, endividado até a alma. Ou seja, mentiria.
Puta que pariu, por que eu sou assim? Não tenho a menor ideia! Só sei de uma coisa: tô aqui tentando abafar meus ofegos com o dorso da mão, mordendo-me enquanto rumo, propositalmente – e não desprovida de medo, confesso –, em direção ao meu mais prazeroso descontrole. Será que vou logo para baixo da calça, ao encontro da minha carne que lateja como se implorasse por mais atrito? Ou aguento mais um pouco neste “quase lá” enlouquecedor? O pior que pode acontecer, que é ser pega no flagra por falta de autocontrole e excesso de tesão, neste momento de autossatisfação e escarro na moral retilínea que finjo ter na maior parte do tempo, parece-me bom, se quer saber. Então…
Estou mais molhada do que imaginava. “Melada” me parece a definição perfeita. Portanto, mesmo se o pau mais próximo tiver a grossura de uma lata de refrigerante, do jeito fácil que meu dedo do meio está escorregando corpo adentro, sei que me penetraria fácil. Eu só precisaria abrir um pouco a bunda com a mão direita, nada além. Daí, para não correr o risco de gemer alto sem querer, morderia o travesseiro mirrado deste avião e torceria para que o Eros se enterrasse inteiro em mim agarrado a um dos meus seios; ou aos dois, se conseguisse passar o braço por baixo do meu corpo. E, depois que ele chegasse lá no fundo, eu ainda forçaria a bunda contra as coxas dele, só para deixar claro que gosto das coisas até o fim, nada morno ou pela metade, e que não arrego até me arregaçarem de um jeito que me faz andar diferente no outro dia, pisando firme entre os executivos da Onix por saber do poder que tenho de conseguir o que quero, até a última gota. E com sorte, muita sorte mesmo, ao perceber meu gozo chegando, ele tiraria o cacete e, com a ajuda da mão, o esfregaria em minha fenda carnuda, entre meus lábios delicados como não posso me dar o luxo de ser, até…
Por que ele não larga esse livro e me pega de jeito, hein? Quem foi o filho da puta que escreveu algo tão emocionante? Porque eu juro, por tudo que é mais sagrado, que estremeceria se ele apenas encostasse o dedo em meu cuzinho; não precisaria dizer nada, bastaria tapá-lo enquanto continuo a me penetrar assim, como só eu sei fazer em mim. Ou, se quisesse me provocar de verdade, a ponto de causar um orgasmo escandaloso que talvez me fizesse descer deste avião escoltada pela Polícia Federal, teria só que me dizer para esperá-lo no banheiro. Na língua que fosse. Ou sem língua mesmo, apenas colocando a minha mão direita – a desocupada – sobre o pau dele e sorrindo de canto de boca, orgulhoso pela rigidez e grossura do taco que o diferencia da maioria. Iria sem pensar duas vezes, no mesmo instante, e dentro do minúsculo espaço entre a porta e a privada, pedindo por tapas mais fortes e metidas mais fundas, rebolando com ele engatado em mim, estremeceria, revelando o que eu já não consigo – nem quero! – mais disfarçar. Afinal, quando este avião pousar, precisarei voltar ao salto e, mais uma vez, fingir ter controle de tudo, principalmente dos meus capetas e vontades humanas que alguns idiotas consideram obscenas. E você nem imagina quanto isso pesa. Ou imagina?
Texto: Ricardo Coiro

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